quinta-feira, 21 de maio de 2009

GESTÃO PARTICIPATIVA

Todos pela qualidade

A forma como a escola usa o espaço, as relações interpessoais e a interação com a comunidade também são importantes na Educação das crianças
Thais Gurgel (thais.gurgel@abril.com.br)
Escola limpa, bem conservada e equipada, com espaços adequados, equipe comprometida e comunidade atuante em seu cotidiano. Todos esses fatores são parte do que se entende por uma boa escola. O que nem sempre fica claro entre os integrantes da equipe, porém, é o objetivo primordial de buscar um ambiente como esse: oferecer condições para que as crianças, de fato, aprendam. Para que a gestão escolar seja bem-sucedida, cada medida tomada deve considerar esse preceito, funcionando como um verdadeiro filtro para todas as ações.

A maneira como diretor, professores e funcionários enxergam os alunos é outro ponto que pode determinar o funcionamento do ambiente. "É muito comum vermos equipes que parecem lidar com ‘alunos invisíveis’, condenados a usar banheiros sujos, comer com o prato na mão, de quem se pode falar mal em sua frente, como se não estivessem lá", afirma a consultora pedagógica do Centro de Documentação para a Ação Comunitária (Cedac), Maria Maura Barbosa. "O que existe é uma responsabilização do aluno (que é visto como quem depreda, é mal-educado) ou da comunidade (que é carente e violenta) pelas más condições da escola."

O gestor é o responsável pela criação de um ambiente acolhedor, que viabilize o trabalho educacional, cumprindo o projeto pedagógico da escola. Mas é essencial que ele envolva equipe, pais e alunos em torno desse objetivo. "Todos os atores da comunidade escolar ensinam e aprendem. E os espaços e práticas atitudinais também educam", diz Bianca Cristina Correa, especialista em gestão da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.

Por isso, o diretor deve estar muito atento ao que se transmite "nas entrelinhas" dos processos e das relações interpessoais que se estabelecem na escola. Seu desafio é o de coordenar diferentes gestões - equipe, espaços, parcerias, recursos - para promover a aprendizagem das turmas. "As questões burocráticas e administrativas são apenas meios para concretizar as propostas pedagógicas", diz Vitor Henriques Paro, professor titular da Faculdade de Educação da USP.

Nessa abordagem, o olhar do gestor se volta fundamentalmente para três eixos: a organização dos espaços da escola (não só o das salas de aula), a mobilização de uma equipe coesa (que trabalhe para alcançar uma proposta pedagógica definida) e o estabelecimento de um canal de comunicação com pais de alunos e a comunidade do entorno. Embora ninguém afirme que isso seja tarefa fácil, aplicar essa teoria no dia-a-dia talvez não transforme a instituição numa escola dos sonhos, mas certamente trará resultados positivos sob todos os aspectos.

1. Novidade na área

Seja qual for o contexto em que se insira, a escola é, por definição, um local de aprendizagem. Mas o que ensina cada um de seus espaços? Salas de aula, locais de merenda, áreas de lazer, corredores e banheiros ajudam a construir e consolidar muitos valores. Se os alunos vêem que o banheiro está sempre sujo, se sentem menos estimulados a cuidar da higiene. "O diretor deve ver no respeito a locais públicos um valor a ser ensinado na prática e cuja importância deve ser trabalhada sempre", diz Maria Maura Barbosa.

O uso de todos os espaços da escola, ref letindo sobre sua forma de organização e buscando condições que promovam a aprendizagem (veja o infográfico clicando na imagem abaixo), tem de ser uma pauta constante da equipe escolar. "No contato com as Secretarias para a obtenção de recursos, o grupo que defende uma proposta de aprendizagem envolvida na melhoria de espaços dispõe de um argumento de peso", diz Roberta Panico, do Cedac. "E, se essa proposta for boa, pode ser estendida a outras instituições de ensino."
Pensando no comportamento dos alunos de sua escola durante as refeições, Iromar Medeiros de Souza, diretor da EM Bairro Industrial, em Barcarena, a 40 quilômetros de Belém, propôs uma reflexão à equipe de professores e funcionários. O que as crianças aprendiam com a forma como eram servidas as refeições?

Os professores identificaram alguns pontos críticos no processo. Como não havia mobiliário nem espaço definido, elas resolviam a questão como podiam: comiam em pé, brincando ou em qualquer canto. Para mudar esse quadro, o grupo elaborou o projeto Comer Bem Faz Bem. "Nossa proposta apresentava a seguinte pergunta: em que situações se prepara uma mesa com toalha limpa, louça e flores num vaso? Quando recebemos a visita de pessoas queridas e importantes", conta Iromar. "Quisemos mostrar que é exatamente isso que vivemos todos os dias aqui. Assim, criamos esse ambiente acolhedor em nossas refeições na escola para que as crianças se sintam bem recebidas e valorizadas."
Com recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Ministério da Educação, e outro tanto arrecadado numa festa junina, a escola ganhou um refeitório, numa área coberta, entre dois blocos de salas de aula. Os hábitos alimentares e o valor nutricional dos alimentos foram usados paralelamente como um tema, em classe.

Junto a isso, uma nova proposta foi apresentada: substituir pratos, canecos e colheres de plástico por copos e pratos de vidro e talheres de metal. "Existia o medo, por parte de alguns pais e membros da equipe, de que houvesse acidentes com os utensílios quebráveis e com garfos e facas", conta Iromar. "Como não tínhamos recursos para substituir tudo, precisávamos da colaboração das famílias e, para isso, da adesão delas à proposta."

O diretor enfatizou aos pais e à equipe escolar que o uso de peças de metal e vidro significaria um voto de confiança de que as crianças poderiam cuidar do material e que sua utilização contribuiria para que as refeições na escola se dessem da mesma forma que ocorrem fora. "A idéia não só foi aprovada como também hoje as famílias nos dão o retorno de que os pequenos continuam com a postura de respeito e cuidado nas refeições em casa", diz o diretor. "E mais: em um ano e meio, apenas um prato foi quebrado."

Também a área externa da Bairro Industrial ganhou um projeto educativo que envolveu a comunidade: a criação de um lago artificial. Um morador da região, que dava instruções sobre a manutenção da horta da escola, sugeriu a construção do lago com peixes, como o que havia feito em sua propriedade. A idéia foi levada adiante e virou a febre da garotada, que se orgulha do espaço. Após a implantação, diferentes projetos relacionados ao meio ambiente foram desenvolvidos em sala de aula.

Os corredores compõem um espaço de aprendizagem privilegiado, mas seu uso ainda é pouco ou mal explorado em muitas escolas. "A sua grande vocação é portar murais para a exposição de trabalhos, textos, recados, impressões e o que mais a comunidade achar interessante. São espaços públicos, que devem ser usados para compartilhar projetos", orienta Márcia Cristina da Silva, formadora de gestores do Instituto Avisa Lá. "As crianças se sentem valorizadas por verem seus trabalhos apreciados por colegas e há muita troca de experiências. O diretor deve ver nisso um valor."

Maristela Manilli Rossi, diretora da EMEI Emílio Carlos, em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, concorda com Márcia Cristina. "As paredes falam em nossa escola", orgulha-se. Nos corredores, os trabalhos são substituídos com regularidade e vêm sempre acompanhados de um texto dos professores sobre cada projeto. Assim, os pais podem acompanhar a produção dos filhos. E os pequenos participam ativamente da organização dos murais, escolhendo o que será exposto. "É muito estimulante ver como as crianças mostram o que fazem às outras e explicam sua técnica. Elas se sentem valorizadas e seus pais também."

2. Espírito de equipe

Há seis anos, Valdelice Barbosa Lima dirige a EMEF Deputado Ulisses Guimarães, que atende crianças do 2º ao 9º ano em Maracanaú, a 20 quilômetros de Fortaleza. Ela não tem dúvida sobre o segredo para a evolução dos índices de aprendizagem nesse período: "Atribuo tudo o que atingimos ao sentimento de colaboração entre a equipe, à vontade de trabalhar juntos", diz. Pela segunda vez, a instituição obteve o melhor resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em uma escola pública do Ceará - sem parcerias ou vinculação a outros órgãos que não a uma Secretaria Municipal. E quer melhorar ainda mais. Para isso, Valdelice aposta no apoio recebido da vice-diretora e da supervisora na interface com a equipe de professores e funcionários. A participação do "trio gestor" no planejamento, no acompanhamento e nas decisões sobre como encaminhar o projeto pedagógico em sala de aula, caso por caso, criou um ambiente de discussão focado na aprendizagem do aluno. Valdelice acompanha de perto o trabalho de sala de aula. O olhar não é de "fiscalização", mas de avaliação sobre as decisões tomadas coletivamente.

Para Bianca Correa, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, tal método pode ser um caminho interessante a ser seguido na gestão escolar. "O diretor precisa ter conhecimento pedagógico ou buscar parcerias para conseguir caminhar com os professores", reflete. "Só assim ele consegue dar sentido ao trabalho docente, fazendo cada educador se sentir parte de um grupo em que há espaço para tirar dúvidas e fazer sugestões de melhoria."

Muitas cabeças pensam melhor do que uma e idéias diferentes podem se complementar. Na escola, porém, essa lógica parece não funcionar com naturalidade. "A discordância é intrínseca à dinâmica de grupos, mas é preciso saber explicitar as divergências sem levar para o lado pessoal", diz Bianca. "O diretor é a figura que deve coordenar esse processo e propiciar a construção de consensos, que serão sempre provisórios. Toda decisão deve ser revista quando houver necessidade."

Criar um ambiente de discussões objetivas e focadas no interesse coletivo pode ser uma tarefa árdua. Na escola pública, o gestor tem de lidar com o que tem - em termos de recursos materiais, de espaço e de funcionários. Diferentemente das instituições privadas, ele não tem liberdade para substituições e ainda precisa lidar com a rotatividade de profissionais, o que gera descontinuidade no trabalho.

Cleuza Maria Sagrillo, diretora da EMEF Zilca Nunes Vieira Bermudes, em Aracruz, a 83 quilômetros de Vitória, acredita que o sentimento de grupo faz diferença: "O claro, para nós, é que o aluno é responsabilidade da escola e não de determinado professor. Assim, todo o corpo de servidores, docentes ou não, faz parte do processo educativo."

Semanalmente, a diretora e sua vice se reúnem com os diferentes grupos de funcionários para discutir, em termos pedagógicos, os encaminhamentos de suas respectivas áreas. Além dos encontros de planejamento pedagógico com os professores, há reuniões com as equipes administrativa, de limpeza e merenda e com os responsáveis pela biblioteca e a sala de vídeo. "Ainda promovemos atividades coletivas para a discussão de projetos, por exemplo", conta Cleuza.

A estratégia funciona tão bem que alguns funcionários passaram a atuar como voluntários em tarefas extras: uma bibliotecária conta histórias à comunidade, enquanto uma agente de limpeza ministra oficinas de pintura. "Elas se sentem, de fato, integrantes de um projeto comum, que é melhorar a qualidade da Educação das crianças e oferecer à comunidade a oportunidade de um acesso à cultura de forma mais ampla", diz Cleuza. "Isso significa um enorme ganho em seu envolvimento e seu trabalho."

3. Família bem-vinda

Quando a direção se aproxima das famílias, na busca de sucesso no processo educacional, os resultados aparecem. "Nossa escola era vista como um elemento estranho na comunidade. Sofríamos depredações, roubos, havia multirrepetentes e as famílias não tinham o menor compromisso com a Educação dos filhos", conta Marilene da Silva Santos Oliveira, diretora da EMEF Armando de Andrade, que atende 1.430 alunos, do 1º ao 5º ano, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. "Hoje temos um espaço lindo, bem equipado, e nossa nota no Ideb já atingiu a meta prevista para 2010."

O caminho não foi fácil. Quando chegou à escola, em 2000, como assistente de direção, Marilene se deparou com problemas como falta de luz - provocada por cortes intencionais na fiação -, pichações e atos de vandalismo.

Em reunião na Associação de Pais e Mestres, surgiu uma idéia que revolucionou o relacionamento com a comunidade: já que as famílias dos alunos - a maioria de bairros pobres e de difícil acesso - não iam à escola, os professores iriam até elas. Foi elaborado, então, um cronograma de visitas. Os docentes passaram a ser vistos como aliados na Educação das crianças - alguém que compreende suas dificuldades e seu esforço. "Percebemos um fortalecimento incrível do compromisso dos pais e o número de faltas diminuiu drasticamente", lembra Marilene. A idéia acabou se estendendo às outras escolas da rede por meio do Programa de Interação Família-Escola, da Secretaria Municipal.

Outra iniciativa importante foi a oferta de cursos e a abertura de espaço para a prática de esportes. "A comunidade queria participar, se ver nesse local, que é público", diz a diretora. "Isso fortaleceu a gestão."

Sentindo-se acolhidas, as famílias passaram a participar de outras atividades ao lado dos filhos. "A escola deve reassumir a vocação de ser um centro cultural do bairro", diz Vitor Paro, da USP. "Ela forma cidadãos e, por isso, não se destina apenas à aquisição de conhecimento conteudista. A participação de uma diversidade de atores é, assim, fundamental."

Toda escola tem ao menos um canal institucionalizado de comunicação com as famílias: a reunião de pais. O modelo desses encontros, porém, pode mais afastá-los do que aproximá-los da instituição. "Eles devem ser chamados para compartilhar conquistas no desenvolvimento dos filhos e não apenas quando a escola necessita que eles façam alguma coisa", orienta Roberta Panico, do Cedac.

Alguns aspectos abordados nas reuniões fazem com que as famílias percebam a importância de garantir a freqüência dos filhos às aulas. Entre eles estão a apresentação dos assuntos que serão abordados a cada semestre, a forma como as crianças costumam aprender determinados conteúdos e as atividades previstas para serem realizadas no período.

Cada escola pode detectar o que serve melhor à comunidade e elaborar propostas de reunião. Existem, por exemplo, as que promovem dinâmicas de grupo, brincadeiras ou atividades entre familiares e alunos: tudo para estimular o envolvimento. O que não pode haver é a limitação das reuniões a questões como a indisciplina dos estudantes: acima de tudo, a reunião deve ter caráter pedagógico.

"Algo precisa ficar claro: é a escola que presta serviço à comunidade, não o contrário", defende Roberta Panico. "Por isso, a equipe escolar deve, sim, prestar contas e envolver os pais no trabalho que desenvolve. Todos saem ganhando com isso."

O CARÁTER FORMADOR DO ESPAÇO
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CONSCIÊNCIA

Com a intervenção da equipe escolar, evita-se o desperdício. Os estudantes também podem colaborar para a limpeza do espaço.

AUTONOMIA

É uma conquista quando as próprias crianças se servem de comida. Assim, exercem o poder de escolha e exercitam o respeito à vez do próximo.

CIDADANIA
Fazer as refeições sentado, partilhando esse momento com os colegas, é um valor a ser ensinado e vivenciado na hora da merenda.

COMUNICAÇÃO

Os corredores são espaços por onde todos circulam e, por isso, perfeitos para propiciar trocas entre toda a comunidade escolar.

ORGANIZAÇÃO

Trabalhos dispostos na altura das crianças favorecem a apreciação da produção dos colegas. A distribuição nas paredes deve buscar a valorização.

HIGIENE

Para lavar as mãos depois de usar os sanitários e antes das refeições, é preciso ter sabonete (ou alternativas, como sabão e detergente).

LIMPEZA

Noções de higiene só podem ser ensinadas se for possível praticá-las. Vasos com tampa e papel higiênico são itens obrigatórios. Sempre.

AUTO-ESTIMA

O espelho é importante para trabalhar a identidade e a afirmação do aluno, propondo que ele preste atenção em si mesmo.

LIVRE EXPRESSÃO

O mural no banheiro é um espaço para se expressar de forma anônima e sem censura. Com ele, a depredação nas portas das cabines tende a sumir.

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